terça-feira, 23 de abril de 2013

O salão de humor do piauí e a participação popular
(Artigo apresentado na especialização em História da Arte e da Arquitetura - ICF)

Joaquim Monteiro dos Santos Neto
Especialista em História da Arte e da Arquitetura – Instituto Camilo Filho (icf). Graduado em Artes Plásticas – Universidade Federal do Piauí (UFPI).Arte-educador das redes públicas Estadual do Piauí e Municipal de Teresina (PI). Desenhista. Cartunista. Designer Gráfico.




 

Nos dias atuais em que a informação atravessa os continentes em questão de segundos e que o acesso a ela pretende-se democrático, alguns bens ainda estão fora do alcance de uma grande parcela da população.  Impera entre nós a idéia de que o acesso aos bens culturais está disponível a todos, através dos meios de comunicação, dos shows, internet etc.  Todavia, uma olhadela um pouco mais crítica nos põe a par de que o que realmente predomina são informações manipuladas e uma programação de gosto duvidoso, e que o público consumidor destas informações, muitas vezes, as consomem de forma acrítica, e com a certeza de que está adquirindo bens culturais de boa qualidade.

Não são muitas as ocasiões em que a parcela menos abastada da população tem contato com bens artísticos de alta qualidade, eles são encontrados com maior freqüência em galerias, em casas de cultura e em museus.  Nestes locais não é comum a visitação do homem e da mulher que trabalha em lojas de departamentos, no comércio informal, da dona de casa que vai pagar suas contas, fazer suas compras no centro da cidade ou do estudante que transita pelas praças de Teresina.

O Salão de Humor do Piauí é uma destas ocasiões em que estas pessoas podem manter um contato com trabalhos de artistas renomados nacionais ou internacionais, trabalhos de alto nível técnico, o que melhor se pode ver no mundo do humor gráfico.  Considerado um dos maiores salões do Brasil, o Salão do Piauí é um fato raro, pois é o único que invade as ruas e praças da cidade com shows musicais (na figura 01, página seguinte, podemos observar uma das atrações musicais na praça Pedro II em 2004, o Clube do Chorinho), teatrais e performáticos e, em especial com mostras de trabalhos de artistas locais, nacionais e internacionais, além de mostras temáticas, não ficando restrito unicamente às exposições dos trabalhos concorrentes premiados, como é comum acontecer em outros salões de humor.

Fig. 01. Clube do Chorinho, na Praça Pedro II, nov/2004 (Acervo da FNH).
São justamente estes eventos que acontecem nas praças da cidade de Teresina e em outros locais públicos durante o Salão, principalmente as mostras paralelas de humor gráfico – muito mais que as tradicionais oficinas, debates e mesas-redondas – que atraem para a mostra principal os olhos deste público teoricamente menos esclarecidos, ampliando, assim, o seu contato com o que de melhor se faz no mundo em cartuns, charges e caricatura.

É, portanto, o objetivo deste trabalho mostrar como se dá a interação do público com o Salão de Humor do Piauí e como esta interação influencia culturalmente o cidadão teresinense formando, a partir daí, um gosto popular para as artes plásticas e, em especial, para o humor gráfico, incentivando, portanto, formação de novos talentos regionais neste campo artísticos.

A relevância deste trabalho se justifica com a reconhecida importância do humor gráfico no mundo contemporâneo, carente, muitas vezes, de um olhar crítico.  Para a Drª Sônia Luyten, pesquisadora de artes gráficas, “o humor desarma e leva a pessoa à reflexão.” 1  Além disso, o Piauí possui uma escola de bons cartunistas, aqui podemos citar Paulo Moura, Dodô Macedo, Jota A., Moisés, Aerlon Charles, Izanio, Aurimar entre outros, e o Salão de Humor tem contribuído para a massificação deste tipo de trabalho artístico em nosso estado.

O cartunista Jota A.2 afirma conhecer “várias pessoas que começam a ler o jornal pela charge por que vêem ali toda a síntese do que está acontecendo no país ou na cidade”, esta isto sintetiza a importância desse tipo de atividade artística no mundo jornalístico contemporâneo.  São nas páginas de jornais que “muitos chargistas conseguem definir em alguns traços toda uma realidade que às vezes não pode ser expressada por palavras ou por fotos” 3, conclui o artista.

Os procedimentos metodológicos aplicados à presente pesquisa consistiram nas seguintes etapas.  A primeira etapa em uma pesquisa bibliográfica quando foram consultadas obras literárias já produzidas sobre o tema como publicações e artigos.  A segunda etapa foi composta de entrevistas, coleta de documentos fotográficos, artigos de jornais e revistas e de um questionário para que fosse feito um rastreamento histórico do Salão de Humor do Piauí, enfatizando a participação e a interação popular no evento.  E, por fim, em uma terceira e última etapa foi analisado todo o material coletado para que se pudesse, daí, tirar as devidas conclusões que estão contidas neste trabalho.

O Salão de Humor do Piauí teve como idealizadores o promotor cultural José Elias Martins de Area Leão, o jornalista Kernard Kruel e o cartunista Albert Piauí e teve sua primeira edição em maio de 1982, foi o primeiro evento do tipo realizado em todo o Norte/Nordeste brasileiro e contou com a participação de figuras do humor nacional, como os cartunistas Jaguar, Reinaldo e Nani.

Apesar do constatado amadorismo, o I Salão teve repercussão nacional sendo citado n’O Pasquim, por Jaguar, e no Jornal do Brasil, pelo poeta Carlos Drumond de Andrade, que escreveu:

Vem do Piauí a notícia que dá alegria à gente: a Fundação Cultural do Estado vai realizar um Salão de Humor (o II) e convida todos os humoristas brasileiros ou residentes no Brasil a participar dele. (…)  O essencial é que o humor teve reconhecimento e patrocínio oficial do Piauí.  Saravá! 4
Os artistas premiados neste primeiro Salão foram Mariano (primeiro lugar em caricatura), Cláudio Oliveira (Cartum) e Cláudio Paiva (Charge), além de outras premiações especiais aos cartunistas Dodô Macedo, Hubert, Cândido Machado, Paulo de Castro, Arnaldo Albuquerque e K.K.X.O.

No ano seguinte foi criado o prêmio Fundação Cultural do Estado do Piauí, fator que, junto com a experiência acumulada na primeira edição, contribuiu para uma melhor organização.  O II Salão de Humor do Piauí contou com a participação de nomes do humor gráfico nacional e lançamentos de livros.

Apesar do salão realizado em Teresina ir aos poucos ganhando respeito nacional, para o povo da capital do Piauí era apenas mais um evento realizado para intelectuais e entendidos.  O Salão ficava restrito à exposição dos trabalhos classificados e premiados, na galeria do Theatro 04 de Setembro, às palestras, aos debates, e a outros acontecimentos que não atingiam o público em geral.

É, entretanto, só a partir de sua quarta edição, realizada no ano de 1985, que vão surgir novidades que contribuíram para uma real integração entre o povo de Teresina e este importante evento artístico.  Em primeiro lugar, podemos citar a “invasão” da praça Pedro II pelo Salão através de shows musicais, que atraiam principalmente o público jovem.  Outro fator que contribuiu muito para a divulgação do humor gráfico em nossa capital e do evento foi a circulação do hebdomadário O Pasquim como suplemento dominical do jornal O Estado.  Esses fatos coincidiram com a participação, pela primeira vez na organização do Salão, de Albert Piauí, hoje presidente da Fundação Nacional do Humor (FNH) e principal entusiasta do evento.

Em 1987, durante VI Salão de Humor do Piauí, entra em cena outra novidade: o Circo da Cultura, hoje substituído por túneis de lona (fig. 02), que consistia num espaço coberto por uma lona em plena praça Pedro II, que abrigava exposições paralelas ao salão.  O Circo passou a se constituir no símbolo do salão piauiense, e possibilitou que as pessoas que circulavam pela praça pudessem ver trabalhos de cartunistas de todo o país, o que contribuía para a divulgação do evento.  Isso possibilitou que o Salão tivesse, naquele ano, a fantástica visitação de 10.000 pessoas ao dia, algo inimaginável em eventos desta natureza.  A prova de que essas modificações tornaram popular o humor gráfico no Piauí é que naquele mesmo ano houve a inscrição de 50 trabalhos de artistas locais num universo de 325 obras concorrentes.

Fig. 02. Túnel de lona, que hoje substitui o Circo da Cultura, montado
na av. Fr. Serafim. nov/2004 (Acervo da FNH).
 
As primeiras iniciativas para popularização do Salão de Humor do Piauí foram importantes para que o público teresinense de menor poder aquisito pudesse entrar em contato com o que se faz de melhor no humor gráfico brasileiro e mundial.  Jorge Coli5 salienta a necessidade de o povo (fig. 03, página seguinte), ter acesso a eventos artísticos desse porte, para ele “o contato com a obra de arte é fundamental para se conhecer e gostar de arte.  Freqüentar uma obra de arte é, antes de tudo, um ato de interesse.  Ouvir uma sinfonia é escutá-la e reescutá-la; olhar um quadro é examiná-lo, observá-lo, detalhá-lo.”



Fig. 03. Visitação popular às exposições do Salão. nov/2004 (Acervo da FNH).
 
 O Circo da Cultura não agradou somente ao público, como também aos artistas que lá tinham trabalhos expostos.  É o que pode ser comprovado com um relato do cartunista Ziraldo6 em uma das vezes em que esteve em Teresina, por ocasião do Salão: “Outro dia eu estava lá no Circo, observando as pessoas, e senti uma grande alegria: tem um cartum meu que as pessoas quando chegam diante dele dão grandes gargalhadas” e completa “fico muito feliz, porque é o que eu queria, ou seja, que as pessoas rissem com um trabalho que fiz”.

O Salão de 1987 foi um grande evento popular e considerado, até então, o maior dos Salões, entretanto, para manter sua estrutura e a estadia dos convidados custou muito caro.  Por conta disto, é que, segundo o jornalista Chico Castro7, “o VII Salão de Humor entre os dias 22 de agosto a 09 de setembro de 1988, foi uma espécie de contrapeso do eufórico e, em certos momentos, excessivo VI Salão.  Foi o Salão da ressaca.”  Por isso comedido dando maior ênfase às oficinas e shows com artistas locais.

Teve início naquele momento o dilema do Salão de Humor do Piauí, conciliar a idéia de popularização com os parcos recursos aplicados pela Fundação Cultural do Estado, órgão responsável pelo evento.  Apesar disto é justamente esta popularização que se tornou o grande diferencial do evento e fator de admiração entre os cartunistas e estudiosos que por aqui passam a cada ano.  Este é o caso do cubano Tomás Rodrigues, o Tommy, que afirmou em um jornal local, “eu conheço muitos salões.  São eventos muito organizados.  Com muitos recursos, mas com falta da participação popular.  Aqui no Piauí, o povo participa e isso torna o Salão um dos melhores do mundo.  Assim, é interessante mantermos o contato”, diz8.  Segundo Sônia Luyten, eventos como esse que leva humor às ruas só existem na França e na Holanda.

Na década de 1990, esse debate ficaria mais acirrado a cada ano em que se divulgava a programação do Salão e confrontava-se com a quantia destinada para realizá-lo.  Apesar disso, seus organizadores a cada edição introduziam novidades como festivais de piadas, mostras de cinema humorísticos em plena Praça Pedro II e apresentação de violeiros e grupos folclóricos, enfrentando também críticas de setores “sofisticados” da sociedade teresinense que não se contentavam com a excessiva “vulgarização” do evento. 

Indiferente a estas discussões o público aprovava as modificações, é o que nos mostram os resultados das pesquisas feitas pelo Instituto Piauiense de Opinião Pública (IPOP) em 2003.  Naquele ano o Salão invadiu não só as praças centrais da cidade como também ruas, prédios públicos e locais de grande acesso popular, a pesquisa em que o IPOP entrevistou 400 pessoas mostrou que 37,50% aprovaram a idéia de diversificação dos locais expostos e “75% denominaram como ótimo ou bom os eventos paralelos (teatro, cinema, shows, oficinas, palestras e debates)”9.  Já no ano seguinte, 2004, em consulta feita a 300 pessoas, “94,34% dos entrevistados aprovaram os locais de exposição […].  Quanto ao volume de trabalhos expostos na rua, 91,67% do público aprovaram a qualidade dos desenhos.”10

Estes números avalizam os resultados obtidos pelo questionário realizado nesta pesquisa, durante o mês de fevereiro de 2005, respondido por 32 pessoas escolhidas aleatoriamente e com idade variando entre 17 e 50 anos.  Eram estudantes, professores, comerciários, auxiliares de escritórios e donas-de-casa.

Neste questionário pode-se observar que 90% dos entrevistados visitaram pelo menos uma das exposições do XXII Salão de Humor do Piauí, montadas em túneis em diversos locais da cidade e 58% deles ainda se lembravam do que viram no Salão de novembro de 2004.  Metade afirmou lembrar-se do que viu em outras edições do evento.

Todos os entrevistados aprovaram a idéia da descentralização das exposições e acreditam que ela pode contribuir para que se crie um gosto popular entre os teresinenses para o humor gráfico.  91,5% dos consultados afirmam que o Salão pode sim influenciar na cultura do povo teresinense.

Todos eles afirmaram ser observadores contumazes de charges em jornais, em revistas e na televisão.  58% dos entrevistados lembram do nome de pelos menos um dos cartunistas piauienses e do nome de um cartunista de renome nacional.

Apesar da comprovada aprovação popular, no ano de 1995 o Salão de Humor do Piauí atravessa sua maior crise, a ponto de não ser realizado, abrindo assim uma lacuna cultural no estado do Piauí.  O tamanho do projeto e a escassez financeira do Estado são apontados como causas para a não realização do Salão.

No ano seguinte, 1996, segue-se mais um capítulo da história do Salão, a XIV edição do evento foi realizada com o orçamento cortado pela metade, como afirmou na época o seu organizador Albert Piauí11, “para se fazer um bom Salão seria necessário no mínimo R$ 400.000,00, este ano nós orçamos em R$ 200.000,00”.  Naquele mesmo ano a FNH entrou como organizadora do evento em parceria com a Fundação Estadual de Cultura e Desportos do Piauí (FUNDEC).  A FNH foi fundada em 1988, e conta como associados, jornalistas, intelectuais e cartunistas locais e de outros estados.

O Salão de Humor do Piauí teve naquele ano uma de suas mais conturbadas edições.  Em primeiro lugar por ser 1996 considerado o ano em que a qualidade dos trabalhos apresentados foi a mais questionável; e em segundo lugar, pela polêmica cassação do prêmio de melhor charge, dado ao cartunista piauiense Moisés, devido ao fato de que o seu trabalho premiado não era inédito, levantando assim suspeitas sobre os critérios utilizados pela comissão julgadora.  O que acirrou ainda mais as discussões na época foi o fato de que no corpo de jurados estar presente o jornalista Fenelon Rocha, superior hierárquico do artista premiado em um jornal local.

A partir daí, o Salão de Humor do Piauí entra num período de reflexão e remodelamento. Em 1997, o Salão restringiu-se apenas à exposição dos trabalhos premiados e, em 1998, a uma mostra retrospectiva, com trabalhos pertencentes ao acervo da FNH e premiados nas edições anteriores.

Mesmo no clima conturbado da década de 1990 os cartunistas piauienses destacaram-se ganhando prêmios no Salão do Piauí, como é o caso de Dodô Macedo, em 1996, e de Jota A. nos anos de 1994 e 1997.

Em 1999, o Salão entra em uma nova fase, com total organização da FNH; apesar de ainda depender de fundos do Governo do Estado, busca maior parceria com empresas privadas e estatais.

A décima oitava edição do Salão de Humor do Piauí, realizada no ano de 2000, marcou um feito histórico: ganhou o HQMIX de 2001, o “Oscar” das artes gráficas, como o melhor salão de humor do ano de 2000.  Sendo ainda premiados como melhor quadrinho independente a revista Hipocampo, do cartunista Antônio Amaral, e melhor livro de cartum o livro Paraíba e Piauí – Cartum com todo o risco, com desenhos de artistas piauienses e paraibanos, ambos lançados no XVIII Salão de Humor do Piauí, em 2000.

No ano de 2002, o humor gráfico ganhou definitivamente as ruas, através do XX Salão.  Sua organização espalhou por vários pontos da cidade de Teresina túneis abrigando exposições de artistas como Solda e Ziraldo, e mostras abordando temas como AIDS e o combate à fome.  Estes túneis substituíram o antigo Circo Cultural e foram montados nas praças Pedro II, João Luiz Ferreira, da Liberdade, São Benedito, Ocílio Lago, na rua Climatizada, na avenida Frei Serafim, no Aeroporto de Teresina e no terminal rodoviário “Governado Dirceu Mendes Arcoverde”, marcando assim a total descentralização do evento e consolidando algo que é sua marca registrada: a participação popular.

No ano seguinte, 2003, a FNH instituiu duas novas premiações: a de caricatura temática e a de cartum temático, naquele ano os temas focados foram imagem do sociólogo Betinho e o combate à fome no mundo.

 
Fig. 04. Jota A (PI), primeiro lugar, categoria cartum temático.
nov/2004 (Acervo FNH).

Na vigésima segunda edição, realizada em 2004, o Salão de Humor do Piauí homenageou o líder negro sul-africano Nelson Mandela e teve como tema a luta mundial contra o racismo, tendo sido laureados os piauienses Jota A. (fig. 04) e Izânio (fig. 05) com o prêmio de melhor cartum temático e menção honrosa, respectivamente.  Dodô Macedo (fig. 06), outro piauiense recebeu menção honrosa em melhor charge.  A proposta de inclusão popular neste evento artístico continuou viva através das tradicionais oficinas, shows musicais e humorísticos e da descentralização das mostras montadas em ruas e praças da cidade.

Nesta edição um dos órgãos de comunicação escrita da cidade instituiu o Prêmio Jornal O Dia de Novos Talentos, com o intuito, segundo seus organizadores, de incentivar o aparecimento de novos artistas gráficos no estado.  O cartunista e arte-educador  Aerlon Charles ganhou o prêmio na categoria universitário e o cartunista Ijuvan Barbosa, na categoria ensino fundamental.

Como se pode constatar neste evento a importante participação popular só foi possível devido ao formato que o Salão de Humor do Piauí tomou no decorrer de sua história.  Esse fator possui uma enorme importância do ponto de vista cultural, se levarmos em conta que a população de Teresina tem poucas oportunidades de acesso a eventos de tal envergadura artística, pois o Salão expõe, além das obras que concorrem às premiações, exposições paralelas de outros salões do país, de cartunistas renomados e de charges e cartuns com temas específicos expostos em diversos pontos da cidade de Teresina.

 


Fig. 04. Izânio (PI), menção honrosa, categoria cartum            Fig. 06. Dodô Macedo (PI), menção honrosa, temático. nov/2004 (Acervo FNH).                                                                                                  categoria charge. nov/2004 (Acervo FNH).

É no contato e na fruição da obra que o público faz suas mais diversas interpretações, intervindo de forma decisiva na obra, é isso que o semiólogo Humberto Eco denominou de  obra aberta.  Segundo Eco, “uma obra de arte é um objeto produzido por um autor que organiza uma secção de efeitos comunicativos de modo que cada possível fruidor possa recompreender a mencionada obra, a forma originário do autor.”12

O público, mesmo sem intervir diretamente na obra, dá o sentido final a ela, a fruição, a contemplação da obra de arte, entretanto, não é o último aspecto da obra.  O esteta Denis Huisman afirma que a contemplação vem antes mesmo da criação da obra, para ele o artista “sente e testemunha a arte como contemplador antes de a realizar como criador”13 e completa “o artista selvagem que faz uma tatuagem na sua pele começou por observar a natureza, por cheirar as flores, antes de as transpor.  A criação é primeira em relação à reflexão, e não de todo quanto à contemplação”14.

A socióloga da arte, Cristina Costa15 afirma que:

É por isso que, quando o artista dá por terminada a obra, ele sente a necessidade de deixar sua condição de criador para se colocar na posição de público.  E ele interrompe o ato criativo, que o coloca numa grande intimidade com a obra, e rompendo com ela, procura olhá-la, […] como se nunca a tivesse visto […] antes. [grifo do autor]

O desenho de humor tem como função primordial despertar a reflexão crítica e, ao mesmo tempo, o estado de graça do espectador.  Sua mensagem é completada com a reação daqueles que observam sua obra.  O salão piauiense busca esta interação mais de perto.

Desde o ano de 2002, a pedido dos organizadores do Salão de Humor do Piauí, o IPOP, consulta o público para que este escolha os trabalhos de sua preferência.  A partir de então temos dois vencedores em cada categoria, um escolhido pela comissão julgadora e outro pelo júri popular.  Com essa iniciativa, o público, além de participar como fruidor tem interferido diretamente na escolha dos melhores trabalhos.

Em 2004 foram consultadas 300 pessoas entre os dias 09 e 13 de novembro e, pela primeira vez, público e comissão julgadora escolheram os mesmos trabalhos nas categorias caricatura e caricatura temática – Nelson Mandela, de Amorim (fig. 07) e Daiane dos Santos, de Tiago Ferraz (fig. 08).  Segundo Albert Piauí, “isso mostra a maturidade do público, pois o cartum vencedor que é uma mão fechada, uma simbologia ao líder negro, não é um cartum de fácil compreensão”16.

É, portanto, através do contato com a obra de arte que se forma o gosto pela arte, que se amplia a experiência estética, é o espectador quem completa o sentido da obra, dá a sua interpretação.  Umberto Eco17 afirma, em seu célebre livro Obra aberta, que:

Uma obra de arte, forma acabada e fechada em sua perfeição de organização perfeitamente calibrado é também aberta, isto é, passível de mil interpretações diferentes sem que se redunde em alteração de sua irreproduzível singularidade. Cada fruição é, assim, uma interpretação e uma execução, pois em cada fruição a obra revive dentro de uma perspectiva original. [grifos do autor]
O humor gráfico não é diferente, o espectador frui e responde, ou completa a obra, com o seu sorriso, indignação ou desconfiança.

 


Fig. 07. Amorim (RJ), primeiro lugar,                   Fig. 08. Tiago Ferraz (RS), primeiro lugar,
caricatura temática. nov/2004 (FNH).                 categoria caricatura. nov/2004 (FNH)

É, portanto, observando os dados obtidos que se pode concluir que esta interação Salão-povo teresinense é uma verdade.  O Salão de Humor do Piauí, já faz parte do calendário cultural, não só oficial, mas popular, do transeunte que vai ao centro ou para trabalhar, ou para pagar suas contas ou resolver seus negócios.

Pode-se, também, considerar que esta busca pelo citado público empreitada pelos organizadores do Salão de Humor do Piauí, desde suas primeiras edições tem contribuído para a formação de um gosto popular não só para o humor gráfico, como para as artes plásticas como um todo.  Percebe-se, ainda, através do grande interesse de novos cartunistas locais em concorrerem no Salão, que este evento vem incentivando o surgimento de novos valores do humor gráfico em nosso estado.

Neste momento surge uma nova discussão que pode ser objeto de outras pesquisas: será que o nosso mercado artístico pode acolher a grande leva de novos cartunistas que surgem todo ano?, tendo em vista que a limitada quantidade de órgãos de comunicação diminui a possibilidade de profissionalização deles.  Muitos de nossos já consagrados cartunistas têm se evadido para outras profissões: o magistério, a publicidade entre outras.

 

 

notas

 

                           

1   Jornal Meio Norte, caderno Alternativo, 14 de novembro de 2004, p. 03.

2    JOTA A. Cartunistas piauienses. In SANTANA. R. N. Monteiro de. (org.). Apontamentos para a história cultural do Piauí. Teresina: FUNDAPI. 2003, p. 69-71.

3   Idem.

4   Andrade, Carlos Drumond de. Jornal do Brasil, 06 de fevereiro de 1983. in  castro, Chico. Uma breve história do Salão de Humor do Piauí. Cadernos de Teresina. Teresina: Fundação Mons. Chaves. Ago de 1991, p. 88.

5   COLI, Jorge. O que é arte. 13. ed. São Paulo: Brasiliense. 1993, p. 121.

6      Revista Tupinankim, n. 01, outubro de 2004, p. 02.

7   castro, Chico. Uma breve história do Salão de Humor do Piauí. Cadernos de Teresina. Teresina: Fundação Mons. Chaves. Ago de 1991, p. 93.

8   Jornal O Dia, caderno Torquato, 23 de outubro de 1999, p. 17.

9   Revista Tupinankim, n. 01, outubro de 2004, p. 04.

10 Jornal O Dia, caderno Dia-a-dia, 15 de novembro de 2004, p. 01.

11 Jornal O Dia, caderno Torquato, 03 de agosto de 1996, p. 19.

12 ECO, Humberto. A obra aberta. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1986, p. 40.

13 HUISMAN, Denis. A estética. Lisboa – POR: Edições 70. 1981, p. 80.

14 Idem.

15 COSTA Cristina. Questões de arte; a natureza do belo, da percepção e do prazer estético. São Paulo: Moderna. 2002. p.104.

16 Jornal O Dia, caderno Dia-a-dia, 15 de novembro de 2004, p. 01.

17 ECO, Humberto. Op. Cit, p. 40

 

 



[1]

sábado, 20 de abril de 2013

Preconceito não é bom, Neymar!

 

 Neymar chama jogadores do Flamengo do Piauí de "paraíbas"
http://piseichao.com/2013/04/neymar-chama-jogadores-do-fla-pi-de-paraibas.html

"Neymar não foi irônico com beque inglês Joey Barton (nem sequer respondeu) que o comparou a Justin Bieber e disse que ele só brilhava na “Liga da Selva”, ou seja, no Brasil. Por que essa valentia e esse preconceito agora só com os “paraiba”? (Marcondes Brito)"
http://blogs.band.com.br/marcondesbrito/2013/04/19/e-inaceitavel-o-preconceito-de-neymar-com-os-paraiba/

quinta-feira, 28 de março de 2013

Justiça nega pedido de liberdade para Lalau!


Sou ovelha e não quero um lobo cuidando de mim... Feliciano não me representa!


Fazer humor, um grande desafio.


Parafraseando o cartunista e ativista Carlos Latuff, é muito fácil fazer humor humilhando mulher, negro, homossexual... quero ver fazer humor ridicularizando poderosos.

Nos últimos anos militando ao lado de homens e mulheres de luta dentro do SINDSERM e nesta aproximação ao PSTU sempre dizia, cá com meus botões, "estes caras" (e estas minas) não vão enquadrar meu humor, não vou aceitar patrulha ideológica.

Entretanto, percebo que não "os caras" (nem as minas)mas a luta, a militância e a teoria é que aos poucos vão me "enquadrando". De repente olhos para trabalhos antigos e reflito: "putz, como pude fazer isto" e de repente me vejo eliminando este ou aquele cartum. Logo começo a perceber que este ou aquele trabalho é carregado de preconceito machista ou homofóbico, por exemplo.

Não são "os caras" (nem "as minas") que estão me enquadrando é a consciência que vou tomando, é o bom senso que por vezes me assola.  São os sutis, outros nem tanto, alertas destas mulheres lutadoras com as quais milito no sindicato e no PSTU que vão me afetando no fundo da alma.  É o jeito sutil da Letícia Campos de nos apontar o machismo nas falas e nos atos.

Outro dia num papo extremamente machista entre os "machos" dos SINDSERM fui fortemente repreendido por Albetisa Moreira, que nos calou com sua indignação.  Agradeço a ela, mais um aprendizado.

É óbvio que estes preconceitos não nos abandonam da noite pro dia e a todo momento os reproduzimos. Mas o importante são a consciência de que eles existem e o bom senso para arrancá-los de dentro de nós.  Só a teoria e a reflexão da prática pode influenciar nesta mudança consciente.

É neste sentido que cada dia mais aumenta minha preocupação a cerca destas questões no momento de fazer humor.  É claro que ainda não estou livre destes preconceitos e por isto busco refletir sobre meus trabalhos.  Mas sinto que algo vem mudando, acho que pra melhor.

Afinal, machismo não é coisa de homem de luta!